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Pimentel: “Fazer ajuste fiscal cortando serviço público, estou fora”

O Governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, concedeu entrevista ao jornal Valor Econômico, onde ressaltou que não prejudicará os servidores e os serviços públicos e tratou de diversos temas, como finanças, ajuda federal, entre outros. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: Minas precisa da ajuda da União para sair do vermelho?

Fernando Pimentel: Precisa em termos. Precisa para o que a gente está propondo: começar um processo de negociação de encontro de contas entre o que a União nos deve e o que nós devemos para União. De um lado as perdas que tivemos com a lei Kandir e de outro a nossa dívida com a União. A decisão do STF de novembro do ano passado diz que até novembro deste ano a União terá de aprovar legislação de ressarcimento aos Estados. Enquanto isso não acontece, por que o governo não senta com os Estados credores, principalmente os que são grandes exportadores, e já não começa esse processo? Temos R$ 135 bilhões a receber [cálculo do Conselho dos Secretários de Fazenda e que o governador diz que, a depender do indexador, pode cair para cerca de R$ 90 bilhões] e devemos R$ 88 bilhões.

Valor: Qual seria o efeito disso?

Pimentel: Teremos economia anual em torno de R$ 6 bilhões a R$ 6,5 bilhões que é o desembolso que para pagar as prestações da dívida com a União. Teremos também a possibilidade de recuperar a capacidade de endividamento.

Governador Pimentel durante a entrevista. Foto: Bruno Magalhães/Nitro

Valor: Se o projeto de lei de recuperação fiscal dos Estados for aprovado na Câmara como quer o governo Temer, Minas vai aderir a ele?

Pimentel: Se o pleito do encontro de contas for atendido, está resolvido problema. Não precisaremos de três anos de carência [de pagamento de dívidas como a União oferece em troca de contrapartidas]. O Rio [que já aceitou as contrapartidas] está numa situação de fim de linha, de colapso dos serviços públicos. Não é o caso de Minas. De 2015 para 2016 a nossa receita fiscal aumentou 10%, valor nominal, sem aumentar impostos e num contexto de queda de atividade econômica. [Houve elevação de ICMS, mas segundo Pimentel, a variedade de regimes tributários fez com que a alíquota média do imposto não mudasse muito]. Fizemos arranjos tornando mais eficiente o sistema de arrecadação. Por outro lado, a despesa aumentou só 3,5%, que é exclusivamente pessoal, um aumento vegetativo.

Valor: Por que não deter esse aumento com pessoal?

Pimentel: Não é possível deter. São as carreiras, as progressões das carreiras, as promoções da polícia. Não tem a menor possibilidade. O custeio nós reduzimos fortemente. O esforço está sendo feito e nesse caminho vamos equilibrar as contas, só que lá na frente.

Valor: Antes de terminar o seu mandato, em 2018?

Pimentel: Não. Para isso teremos que ter uma medida adicional como essa do encontro de contas.

Valor: O Estado pode prescindir do socorro do governo federal?

Pimentel: Pode prescindir é uma expressão muito forte. Não é isso, não. Temos um caminho alternativo e estamos oferecendo esse caminho à União. Um caminho viável que terá de ser trilhado mais cedo ou mais tarde porque uma decisão do STF é definitiva, e foi tomada por unanimidade, 11 votos a 0.

Valor: A alternativa é realista?

Pimentel: Não consigo imaginar um cenário em que essa alternativa não se realize. Seria descumprimento de sentença do STF. Mas, hipoteticamente, só para não deixar sem resposta: com as contrapartidas obrigatórias que estão elencadas, acho que Minas não aderiria ao Projeto de Recuperação fiscal.

Valor: O sr. contesta a exigência de contrapartidas?

Pimentel: Acho que são necessárias. O que eu acho que não deve ser feito é colocar o elenco das contrapartidas na lei. Você pode dizer que haverá contrapartidas e que a suspensão de pagamento terá que ser acompanhada de garantias reais a serem estabelecidas entre Ministério da Fazenda e os governos estaduais. Cada Estado tem uma realidade. Eu fico me perguntando por que três anos? [tempo previsto no projeto para os Estados ficarem sem pagar dívidas com União]. Por que não seis anos ou 12 anos para fazer um ajuste mais suave no tempo e não sacrificar tanto servidores e serviços públicos?

Valor: O sr. vai conversar com outros governadores para propor alterações no projeto?

Pimentel: Não quero abrir uma dissidência federativa. Acho que nós devemos fazer o máximo para assegurar ao governo federal, qualquer que seja ele, condições de governabilidade. Isso é obrigação institucional dos governos estaduais. Tenho relações muito boas com o presidente Michel Temer, a quem eu tenho como amigo, uma pessoa com quem tenho relações muito transparentes.

Valor: Uma das contrapartidas é elevar a contribuição previdenciária de servidores. É viável?

Pimentel: Não acho que seja um ponto inegociável. Acho que bem conversado com entidades de servidores e se for um aumento escalonado no tempo, é possível aceitar. Agora, essa de não poder contratar, ter que demitir, não manter as regras de promoção de carreira dos estatutos, essa é complicada. Como é que você vai exigir do servidor que continue prestando serviços se não garante os direitos que estão assegurados na lei?

Valor: E quanto a privatizações?
Pimentel: O ponto da privatização é ainda mais complicado porque significa você colocar denominador comum a todos os Estados, o que no Brasil é esdrúxulo, absurdo. Por que a gente privatizaria empresas que estão bem e dando resultados, como a Cemig [energia elétrica], a Copasa [saneamento] e a Codemig [desenvolvimento]? O próprio caso da Cedae [que a Assembleia fluminense deu sinal verde para ser privatizada]. O valor da Cedae mal cobre um mês da folha de pagamento do Rio de Janeiro. Vai privatizar para quê? A não ser que o governo federal assuma que isso não tem nada a ver com ajuste e que seja decisão ideológica.

Valor: Estão descartadas, então?

Pimentel: Podemos privatizar se isso for mais útil para a prestação de serviços. Agora, sermos obrigados a privatizar? A Cemig teve nos últimos dois anos avanço considerável, no sentido de equilibrar benefícios aos acionistas e boa prestação de serviços. Coisa que nos 12 anos anteriores a nosso governo não foi feito. Não cabe discutir privatização de empresas com o pano de fundo de tapar buraco, da recuperação judicial. Se for outra discussão, se alguém me provar que, do ponto de vista da prestação de serviços, é melhor a gestão privada, aí nós vamos caminhar para isso. Se não, então não tem sentido.

Valor: A privatização da Cemig está em discussão em seu governo em algum contexto?

Pimentel: Não. Nós não estamos preocupados em privatizar, mas estamos preocupados em melhorar a gestão da Cemig, da Copasa e da Codemig. Nós não temos nenhum preconceito [em relação à privatização]. Mas também não sentimos obrigação religiosa de privatizar a qualquer custo.

Valor: Seu governo aprovou um plano para a Cemig se desfazer de algumas de suas empresas e participações em alguns empreendimentos. Isso trará reflexos para as finanças de Minas Gerais?

Pimentel: Não, é muito pouco porque a nossa participação na Cemig hoje é em torno de 20%. Então, em qualquer venda de ativos, 80% ficam com os outros acionistas, bolsa de Nova York, Andrade Gutierrez, bancos e só 20% conosco. A venda de ativos que a gente acha que não são mais interessantes para a Cemig é para melhorar o caixa da empresa. É para mudar seu perfil de endividamento.

Valor: Como Minas chegou à atual situação?

Pimentel: Estamos pagando o preço dos erros do passado. De 2002 até 2013 talvez [governos Lula e parte do primeiro mandato de Dilma], os Estados tiveram anos dourados do ponto de vista das receitas e de acesso a financiamentos. Minas desperdiçou esses recursos. A receita quase quadruplicou, mas a folha de salários triplicou e isso colocou um peso grande e permanente sobre o Estado e não temos como nos livrar dele. Some-se a isso o déficit previdenciário que se agravou nesses 12 anos anteriores [período de governos do PSDB] mas que já vem de antes. O déficit previdenciário, considerando tudo, civis e militares, dá quase 12 bilhões. Em 2002, era de R$ 3,4 bilhões. É algo que não será resolvido só com o aumento da contribuição previdenciária. Tem que aumentar, mas não será só isso.

Valor: O Estado espera receitas extraordinárias este ano, como teve nos últimos anos para reduzir o tamanho do buraco?

Pimentel: Vamos mandar para Assembleia alguns projetos de lei para criar fundos com ativos do Estado. Vamos pegar todos os ativos imobiliários do Estado e colocar em um fundo. Prédios, inclusive escolas, postos de saúde e etc. Vamos pagar aluguel para esse fundo e, portanto, terá um rendimento. Estamos também pensando em nos desfazer definitivamente de alguns ativos. A Cidade Administrativa [sede do governo] é uma delas. Podemos vendê-la para um fundo de pensão, por exemplo. Continuaríamos usando, pagando aluguel. Vale, por baixo, R$ 2 bilhões. Não há sentido em ter um imobilizado daquele tamanho que nos dá despesa enorme para manter e nós com o déficit de caixa do tamanho que nos dá despesa enorme para manter e nós com o déficit de caixa do tamanho que nós temos hoje. Também vamos criar um fundo colocando os dividendos que são do Estado das empresas públicas, Cemig, Copasa e Codemig. Esse fundo pode emitir e vender papéis de longo prazo e isso também ajuda. E tem também a dívida ativa calculada em R$ 50 bilhões e que também poderia ser colocada [num fundo]. Esse mecanismo que nós criaremos no final deste primeiro semestre nos dará folga de caixa.

Valor: De quanto?

Pimentel: Imagino mais ou menos R$ 4 bilhões com papéis que nós vamos lançar no mercado financeiro desses fundos. Todo ano temos precisado desse aporte extraordinário. Menos a cada ano, mas ainda precisamos. No primeiro ano de governo, conseguimos isso com os depósitos judiciais. Por volta de R$ 4,7 bilhões. Em 2016, conseguimos, após negociação com a União, a suspensão das prestações da dívida e isso nos deu economia de cerca de R$ 3 bilhões. No fim de 2016 ainda tivemos incremento de R$ 1,4 bilhão com a venda da folha de pagamentos.

Valor: Ainda assim, terá déficit.

Pimentel: O nosso déficit de caixa no ano é mais ou menos R$ 8 bilhões a R$ 9 bilhões. Está reduzindo por causa do esforço de contenção. A gente protela pagamentos, empurra para frente no custeio uma série de pagamentos. O Estado tem um atraso de dois ou três meses com fornecedores. E mesmo assim conseguimos manter tudo funcionando. O que posso rolar para frente é mais ou menos R$ 4 bilhões e os outros R$ 4 bilhões eu preciso arrumar um aporte de recurso extraordinário. Se eu criar fundos com esses ativos, a cada ano podemos fazer emissões que vão nos compensando.

Valor: Minas gasta 75% do que arrecada e estourou o limite da LRF.

Pimentel: Quanto ao limite, acho que neste quadrimestre conseguimos reduzir. Passamos muito pouquinho do limite máximo e estamos fazendo esforço de aumento da receita e redução de custeio. Com relação ao gasto com pessoal, na verdade, o percentual é maior. Porque de tudo o que a gente arrecada, uma parte tem que ir para os municípios, outra parte é carimbada para a saúde e educação, por exemplo. Se considerar a chamada receita disponível, os gastos com pessoal chegam a 94%. Sobra 6% só da receita disponível para custeio, investimento e pagar dívida.

Valor: A saída extrema seria demitir servidores?

Pimentel: Todos são estáveis. Valor: Qual é a saída? Pimentel: Acho que o ajuste das contas é necessário e imprescindível. Mas ilude-se quem pensar que consegue fazer isso em três anos. Quer dizer, pode-se até fazer isso [nesse período] mas cortando o serviço público. Um exemplo: o salário de ingresso do policial militar no Espírito Santo é R$ 2,6 mil. Aqui em Minas é R$ 4,1 mil. Esse exemplo é meio perigoso, mas é importante as pessoas pensarem. Se eu pudesse reduzir o salário do policial militar mineiro, não só o de ingresso, mas de todos, para metade, estava feito o ajuste. Mas iria acontecer aqui o mesmo que aconteceu lá [greve da polícia e onda de crimes]. Então vamos parar com a ideia de uma receita milagrosa, que é só cortar isso e aquilo. Com receita milagrosa, nós vamos provocar colapso nos serviços públicos, na segurança, na saúde, na educação. Se para fazer ajuste nós tivermos que cortar serviços públicos, estou fora.

Valor: Mas é sustentável manter esse desequilíbrio nas contas sob o argumento de que o serviço público não pode ser tão prejudicado?

Pimentel: Claro que não é sustentável. O Estado tem que diminuir de tamanho. Mas é ao longo do tempo. Em três anos se não faz.

Valor: Como vê a proposta do governo de reforma da Previdência?

Pimentel: Mexer nas regras da Previdência do jeito que eles estão querendo, em um país em recessão, com 12 milhões de desempregados, com desigualdades sociais tão profundas, é uma temeridade. Claro que alguma coisa pode mudar, bem negociada. Mas garganta abaixo da Câmara, acho difícil avançar. Temos que ter paciência. Os governadores estão vivendo essa situação, lidando com uma máquina inchada e ela vai continuar assim por um tempo ainda. Essa discussão eu topo. Vamos parar de fazer concurso? Para quem já está aí, a estabilidade é intocável; mas e quanto aos que entrarem no serviço público? Podemos contratar terceirizados? Temos que fazer essa discussão e tomar medidas sem ferir os direitos dos servidores.

Valor: Sobre Acrônimo. O STF está para decidir se o STJ pode torná-lo réu sem a autorização da Assembleia mineira. O que o sr. espera?

Pimentel: Tenho evitado fazer comentários porque como é um inquérito ainda em andamento, tem que ter cautela. Até para eu poder ter paz de espírito para governar, tenho que deixar isso no campo adequado que é o dos advogados, do Judiciário.

Valor: Mas como o sr. responde às acusações de corrupção e lavagem de dinheiro?

Pimentel: Todo esse conjunto de fatos nesse invólucro de Operação Acrônimo, tudo isso é baseado apenas em uma delação [do lobista Benedito Rodrigues de Oliveira, que foi amigo de Pimentel e atuou em sua campanha]. Não tem nenhuma prova, nenhum fato concreto, não tem conta no exterior, não tem patrimônio oculto, não tem absolutamente nada. Estou completamente seguro, tranquilo e confiante na Justiça de que eu vou me sair muito bem dessa história, ileso. O grande problema são os procedimentos policiais que da forma como são feitos atualmente no Brasil são extremamente danosos à imagem de quem está na vida pública. Por que são feitos de forma muito midiática. Esse é o problema porque do ponto de vista exclusivamente jurídico, judicial, não tenho preocupação nenhuma, estou tranquilíssimo quanto a isso. Mas da forma como é feito fere as garantias individuais que estão na Constituição. Sobre o Supremo, espero com tranquilidade o julgamento. Se for na direção que eu acredito que é manter a autonomia das Assembleias Legislativas, ótimo. Se não for, não tem problema nenhum. O STJ vai examinar as denúncias e confio que vai levar em conta o que estamos alegando de irregularidades no processo. Estamos seguros de tudo isso.

Fonte: Valor Econômico.

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