Ex-chefe de gabinete, que teve áudio em reunião vazado, foi interrogado e afirmou que a vacinação foi legal e regular.
A omissão frente à constatação de erros nas listas enviadas às autoridades competentes que apuram a situação de servidores estaduais vacinados contra a Covid-19 foi um dos questionamentos contundentes dos deputados para João Márcio Silva de Pinho, ex-chefe de gabinete da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. Outro assunto abordado foi a definição de quais servidores seriam vacinados.
Ouvido na tarde desta segunda-feira (3/5/21) pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Fura-Filas da Vacinação, da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), João Márcio foi indagado em especial sobre suas manifestações em reunião com outros servidores da pasta, realizada em abril, que teve seu áudio vazado para a imprensa.
É a segunda reunião da CPI em que esse áudio motiva perguntas. João Márcio de Pinho foi um dos protagonistas da reunião de abril e, entre outras coisas, dirigiu-se, conforme mencionado pelo deputado João Vítor Xavier (Cidadania), a dois servidores que estavam em home office, dizendo que eles constavam na lista enviada às autoridades como servidores que estavam em trabalho presencial.
A indicação dessa situação funcional na lista teria sido feita pela então assessora-chefe de Comunicação da pasta, Virgínia Cornélio da Silva. O deputado Ulysses Gomes (PT) questionou se Virgínia teria mentido no documento, mas o investigado se recusou a responder. João Vítor Xavier, presidente da CPI, considerou, ainda, que, diante da constatação do problema, o investigado deveria ter informado as autoridades.
João Márcio de Pinho afirmou que novas listas com informações sobre os servidores vacinados foram encaminhadas para as autoridades, inclusive para a CPI. O deputado João Vítor Xavier, porém, disse que seria necessário o envio de um documento que apontasse diretamente os erros ou fraudes das listas anteriores. Para o parlamentar, por não ter tomado essa providência, o então chefe de gabinete teria cometido crime de prevaricação, catacterizado quando o servidor prejudica o andamento de serviços públicos.
Ainda sobre trabalhadores em home office vacinados, o deputado Ulysses Gomes se referiu a uma fala de João Márcio de Pinho no áudio vazado, na qual este considerava equivocada uma fala do governador. Nessa fala, Romeu Zema disse saber que a Controladoria-Geral do Estado tinha conhecimento de pessoas vacinadas na SES que estavam em home office. “O senhor reconhece que se encontrou com o governador e tentou fazê-lo mudar de opinião?”, perguntou Ulysses Gomes, ao que o investigado negou ter tratado disso com o chefe do Executivo.
Alteração de documentos – Quem também fez questionamentos sobre a questão foi o deputado Guilherme da Cunha (Novo), que pediu detalhamentos sobre as afirmações do investigado, ainda no áudio vazado, que indicam que ele iria alterar documentos com a volta dos servidores para o trabalho presencial. João Márcio de Pinho disse que a alteração seria futura, quando os servidores deixassem o home office.
Também uma normativa que regulava a quantidade de profissionais que poderiam estar presencialmente na secretaria seria, ainda de acordo com o investigado, alterada. A mudança normativa se daria porque a regra então vigente era de setembro de 2020, quando havia uma baixa de casos de Covid-19, e, diante da segunda onda, era necessário ampliar o número de servidores trabalhando presencialmente na pasta.
O deputado Ulysses Gomes questionou se o investigado foi orientado por Carlos Eduardo Amaral, ex-secretário de Saúde, a fazer tais alterações. João Márcio de Pinho disse que não. Segundo ele, desde a saída do então secretário, não houve conversas entre eles sobre as acusações.
Investigado usa normativa posterior à vacinação para justificar decisões
“Então a secretaria não tinha comando e organização em meio à maior crise sanitária da nossa geração? Ou é isso ou você está evitando dar nomes aos bois”, disse o deputado João Vítor Xavier quando o investigado insistiu que não sabia responder sobre como foram feitas as seleções dos servidores de cada setor da pasta a serem vacinados.
A alta posição na hierarquia da Secretaria de Saúde do cargo de chefe de gabinete, que está abaixo apenas do secretário e do subsecretário, foi o argumento dos parlamentares para afirmar que o investigado tinha uma posição estratégica tanto para coordenar a vacinação dos servidores da pasta quanto para fornecer informações sobre essa vacinação à CPI. Assim, eles criticaram a postura de João Márcio de Pinho ao insistir na descentralização das decisões para retirar de si a responsabilidade.
No setor de João Márcio de Pinho, além do próprio investigado, 47 dos 65 servidores foram vacinados. Questionado pelo deputado Cássio Soares (PSD), relator da CPI, o ex-chefe de gabinete da secretaria disse que essa lista foi produzida conjuntamente por ele, o secretário e o subsecretário de Saúde. Cássio Soares perguntou, ainda, se ele considerava que as decisões foram corretas e o investigado disse que tudo foi feito na legalidade.
Para embasar seu posicionamento, João Márcio de Pinho disse que o memorando 7 da secretaria de Saúde, no qual foi estabelecida a ordem de vacinação a ser seguida pelos servidores da pasta, foi construído a partir de várias outras normativas.
Conforme informou, além do Plano Nacional de Vacinação, foram utilizados como referência outros documentos, como a Nota Técnica 155/21, do Ministério da Saúde, a qual indicaria que todos os servidores públicos da área da saúde, incluindo funcionários administrativos, deveriam ser vacinados prioritariamente.
O deputado João Vítor Xavier, porém, mostrou que a Nota Técnica 155/21 foi publicada em março de 2021, ou seja, depois da vacinação dos servidores. O investigado, assim como o secretário de Saúde, foi vacinado, segundo informações por ele fornecidas, no dia 19 de fevereiro.
João Márcio de Pinho disse, contudo, que a referida nota técnica foi apenas um exemplo das várias normativas disponíveis sobre a questão e reiterou que não considera que a vacinação foi ilegal.
João Vítor Xavier e Cássio Soares lembraram que, nas superintendências regionais de Saúde, os servidores, que em sua maioria estão na linha de frente da pandemia, não foram vacinados, apesar de serem prioritários de acordo o Memorando 7.
Assim, os servidores administrativos da secretaria teriam sido vacinados antes de outros, que estavam acima na escala de prioridades dentro da própria secretaria. João Márcio de Pinho repetiu a argumentação de que essas decisões eram descentralizadas.
O deputado Repórter Rafael Martins (PSD) perguntou se não haveria por parte do convocado uma autocrítica, já que este havia sido vacinado na frente de vários grupos prioritários. O ex-chefe de gabinete disse que não caberia autocrítica da parte dele no momento.
O parlamentar também questionou o real significado da sua fala quanto à existência de pessoas mal intencionadas na imprensa. João Márcio de Pinho respondeu que se sentia injustiçado por estar sendo exposto pela mídia, antes do devido processo legal. Ele reiterou que não havia cometido crime nem irregularidade.
Para deputado retenção de vacinas pelo Estado também é irregular
Outro questionamento do deputado João Vítor Xavier foi sobre a retenção, pela secretaria, das doses destinadas pelo governo federal e que foram usadas para imunizar os servidores. Segundo ele, o protocolo é que as vacinas, ao chegarem aos estados, sejam enviadas aos municípios, que são os entes responsáveis pela aplicação das doses.
O parlamentar também lembrou que os ocupantes de cargos nas secretarias municipais de Saúde equivalentes aos dos vacinados na secretaria estadual só seriam vacinados dois meses depois.
A retenção da vacina, porém, também teria sido legal na visão de João Márcio de Pinho. Ele usou como exemplo a negociação entre o Instituto Butantan, em São Paulo, e o Ministério da Saúde, que garantiu que as doses ficassem no estado sem antes serem enviadas a Brasília. João Vítor Xavier salientou que esse tipo de negociação, no serviço público, precisa ser documentada e que, apesar dos pedidos reiterados da CPI, nenhum documento nesse sentido foi apresentado.
Segurança – O deputado Sargento Rodrigues (PTB) lamentou que a ALMG tivesse perdido um parlamentar muito querido, Luiz Humberto Carneiro (PSDB), justamente porque este havia respeitado a ordem de vacinação, enquanto, por outro lado, o ex-chefe de gabinete e vários outros servidores da SES tinham sido vacinados na frente, descumprindo regras. Sargento Rodrigues destacou ainda um vídeo sobre o pessoal da segurança pública do Estado, que também não tinha sido vacinado, apesar de o PNI prever essa imunização.
O deputado Zé Guilherme (PRP), por sua vez, lamentou a falta de vacinas na Capital para a segunda dose em pessoas entre 64 e 67 anos. Além disso, ele solicitou à CPI que ouça também um responsável da Secretaria de Saúde de Belo Horizonte sobre o problema.